Nós artistas somos esquisitos.
Lá pelos anos 80, decretamos que vivíamos enfim na era pós-moderna. Vendemos livos teóricos explicando o que era isso e o que o diferenciava do modernismo. Pesquisamos e debatemos. Selecionamos aquilo ou aquele que era ou não era pós-moderno.
Fui atrás do sentido. O pós-modernismo veio casado com o hiper-realismo, em que a expressão da imagem e a digitalização passou a ser mais realista que a realidade, a hiper-realidade, fruto das novas tecnologias.
A idéia nasceu nos anos 50, quando se percebeu que, na era do consumo, a imagem (o simulacro) era mais sedutora do que o real.
Nessa nova era, perdíamos o referencial. Um exemplo grosseiro: com uma máquina de escrever, sabíamos que apertar uma tecla originava um movimento mecânico em que uma alça pressionava uma fita com tinta, que imprimia uma letra no papel; com um computador, não tínhamos idéia de como se fazia a trasição entre o gesto mecânico e a letra.
O mundo se tornaria confuso. Nossos cérebro deveria aprender a conviver com o desconhecido, que faria parte da rotina. No livro O QUE É PÓS-MODERNO, da Brasiliense, se ensinava que entrávamos na era do “de”: desreferencial, desabilitar, desconstrução…
Ontem fui ver MOSCOU, de Eduardo Coutinho, o papa do documentário no Brasil, em cartaz no É TUDO VERDADE (festival de documentários em SP, Rio e Brasília, cujo o ingresso, vale acrescentar, é gratuito!!!).
O filme conta a história da peça AS TRÊS IRMÃS, de Tchekhov, através dos ensaios de um grupo, O Galpão, com um diretor convidado, Kike Dias. Misturam trechos do texto com desabafos dos atores. Os exercícios propostos pelo diretor do grupo, os workshops, entram como uma forma de se contar a história das três irmãs russas que recebem a visita de soldados estacionados em sua vila.
É um filme desconstruindo uma peça em desconstrução; peça que ficou em cartaz, no repertório da Cia dos Atores. Tudo se mistura. O figurino é a roupa do ator. O cenário, uma sala de ensaio, os camarins, um palco nu. Rompem-se todas as regras narrativas. No entanto, está lá, a trama de Tchekhov, acompanhamos as paixões das meninas e seus conflitos.
Descobre-se como levamos para o palco, mesmo ao encenar um texto de 1900, nossas experiências pessoais em fragmentos. É uma aula de cinema, teatro e desconstrução.
Imagine se a moda pega:
1. A indústria automobilística passa a vender carros desconstruídos, cujo banco é uma poltrona velha, rasgada, a buzina, uma música infantil, a água do limpador é colorida, e se entra pelo portamalas.
2. Lançam um celular a corda, com rodinhas. Ou em forma de boneca, que o usuário deve vestir, trocar a fralda. Ao girá-lo, ele diz: “Eu te amo, mamãe”.
3. Um teclado com alavancas. Ao pressionarmos as teclas, elas se erguem e imprimem a letra na tela plasma. O ruído de uma máquina sai pelos altofalantes.
4. Uma impressora multifuncional no formato de uma prensa do século 16.
E por aí, vai…
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Segunda-feira, 6 de Abril de 2009
escrito por Marcelo Paiva, O Estado de S.Paulo, Seção: crônica